Era o nosso último dia da epopeia andaluza, e apesar do gosto de viajar nos estar nos genes, já acusávamos algum cansaço. Depois do pequeno almoço e de empacotarmos as malas no carro começamos exatamente pela cidade onde estávamos, Algeciras. O pequeno tour que tínhamos feito na noite anterior aguçou-nos a curiosidade e começamos a pequena exploração pela Plaza Alta, as duas igrejas, as ruas pedonais e o Parque Maria Cristina e as ruínas romanas. Rapidamente concluímos que estava tudo visto, o resto da cidade é essencialmente industrial.
Apanhámos a estrada que nos levaria ao próximo destino, e em termos técnicos, a outro país: Gibraltar, o enclave britânico na entrada do mediterrâneo. Já tinhamos tido um vislumbre do rochedo no ferry de Algeciras para Ceuta, mas assim ao pé e com sol é muito mais impressionante. Parámos algumas vezes para tirar fotos, ainda antes de lá chegar.
Depois de uns 20 minutos numa fila para atravessar a fronteira (curioso, como Gibraltar é uma possessão britânica não faz parte do Acordo de Schengen), entrámos finalmente na Londres do Mediterrâneo. A diferença é engraçada: autocarros vermelhos de dois andares, as célebres cabines telefónicas, a língua inglesa em todo o lado, a Union Jack, as matrículas dos carros, os preços em libras...
Para perceber um pouco de como é que Gibraltar, no sul de Espanha, é um território britânico é preciso recuar um pouco na história. A versão completa reza assim: Em 711 o Governador (muçulmano) de Tanger tomou Gibraltar como primeiro passo para a invasão islâmica da Península Ibérica. 750 anos mais tarde o Reino de Castela recuperou a posse do território, mas em 1704, durante a guerra da Sucessão Espanhola, uma esquadra Holandesa e Britânica tomou o território. Espanha aceitou que Gibraltar pertencia à Inglaterra, mas não cedeu nas tentativas de o recuperar, até ao falhanço do Grande Cerco de 1779-1783. A Inglaterra desenvolveu uma base naval forte, com o apoio de construtores navais genoveses.
Durante a ditadura de Franco as hostilidades mantiveram-se, com a fronteira fechada de 1967 a 1985. Um referendo em 1969 demonstrou que a esmagadora maioria dos habitantes do território (99,64%) preferia o domínio britânico.
Em 2002 conversações entre o Reino Unido e Espanha consideraram a hipótese de uma soberania conjunta do território, mas mais um referendo promovido pela sociedade civil deixou bem patente que os gibraltinos estão mesmo de costas voltadas para Espanha.
Começámos por ir ao Europa Point (tenho alguma pancada pelos limites geográficos, mas afinal este não é o ponto mais a sul da Europa Continental), para depois entrarmos na reserva protegida do rochedo, que é a verdadeira atração do sítio (e que se paga como tal, 25 libras!).
Do topo do rochedo tem-se uma vista fantástica, sobretudo para o Estreito de Gibraltar e norte de África. Um pouco mais à frente estão os Pilares de Hércules. De acordo com a mitologia grega, um dos 12 trabalhos de Hércules consistia em transpor um estreito marítimo. Hércules abriu o Estreito de Gibraltar, tendo ligado o Mar Mediterrâneo ao Oceano Atlântico. De cada um dos lados do estreito, os Pilares de Hércules marcam a separação do Mundo Antigo para o Mundo Novo.
À medida que íamos entrando no parque natural começaram a aparecer... macacos. Estes simpáticos habitantes do rochedo são a única espécie de primatas selvagem na Europa. Só por isso já vale a pena ir a Gibraltar. Mas o melhor ainda estava para vir, os coelhos e os macacos não são de fácil convivência e tivemos um conflito inter-espécies. Estava eu a conduzir, de janela aberta, eis que um macaco salta para dentro do carro, passa por cima de mim e ao colo do P rouba 2 saquetas de açúcar que por acaso trazíamos na porta do lado do passageiro, e sai logo de seguida. Era impossível que o macaco soubesse que o açúcar ali estava, por isso da mesma forma que roubou o açúcar poderia ter sido um telemóvel ou uma carteira. Como se não bastasse, apesar do macaco não ter sido propriamente agressivo, assustei-me e raspei o parachoques do bunnycar num muro. :( Não é uma arranhadela muito grande, mas será para sempre (ou até ao novo parachoques) uma recordação de Gibraltar.
O sacana do macaco a meter-se com o coelho! |
Para além do macaco dá para ver os carros parados à espera que o avião aterra para atravessar a pista. |
Depois de recompostos do susto, passámos a tratar os simpáticos macaquinhos com mais respeito. Aliás, em algumas lojas do parque havia avisos junto à arca dos gelados: primeiro escolha, depois certifique-se que não há nenhum macaco nas redondezas, e só então abra a arca para retirar o seu gelado.
Parámos na St. Michael's Cave, uma gruta natural enorme que abrigou os nossos antepassados do Neolítico, e mais à frente nos Túneis do Grande Cerco. A parte visitável destes túneis é uma pequena porção de uma rede com 70km, curiosamente sempre a descer. Em vários sítios encontrámos sinais a dizer que a saída era no mesmo sítio da entrada, portanto quanto mais se descesse mais se teria de subir, lol. De algumas janelas de ventilação (e canhões) tem-se uma vista estupenda para o lado espanhol e para o aeroporto. Claro que num território tão pequeno, era impossível fazer uma pista de aterragem que não se cruzasse com a estrada, por isso quando há aviões a levantar ou a aterrar tem de se fechar o trânsito que atravessa a pista.
Voltámos para a civilização, para explorarmos um bocadinho da cidade propriamente dita, primeiro de carro e depois a pé. Sentir um ambiente tão british sem uma única nuvem no céu e com temperaturas acima dos 30º não deixa de ser estranho. Tomámos um black coffee na Grand Casemate Square e andámos um bocado na pedestre Main Street até à Cathedral of the Holy Trinity, e voltámos para o bunnycar.
Depois de sairmos de Gibraltar e pararmos num ou dois miradouros, o destino seguinte foi a Isla de las Palomas, em Tarifa, este sim o ponto mais a sul da Europa Continental, e portanto a separação entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo, com África a apenas 14km. À parte deste marco geográfico, não há muito para ver em Tarifa. A Puerta de Jerez, em estilo Mudéjar, a Igreja de San Mateo e o Castillo Guzman El Bueno, construído originalmente em 960, ocuparam-nos pouco tempo, e saímos de Tarifa ainda de dia.
Estavamos um pouco indecisos sobre o que fazer a seguir. O único ponto assente é que teriamos de voltar a Lisboa nessa noite, mas ainda dava para explorar mais qualquer coisa. Foi assim que nos surgiu, uns quilómetros à frente, uma ideia original: em homenagem aos meus caros Luís e Gonçalo, do blog Gayfield, virámos numa placa para Vejer de la Frontera. Foi uma boa escolha. Do alto do casario branco vimos um bonito por do sol, pontilhado pelos imensos praticantes de parapente que por ali andavam. E, de certa forma, apesar de não os conhecer pessoalmente, foi uma forma de conhecer um pouco mais sobre eles, porque nunca havia ouvido falar de Vejer até às férias deles do ano passado (e aqui segue também um abraço para eles, que são fantásticos e uma inspiração para mim).
Ainda no lusco fusco parámos em Cadiz, uma das cidades mais antigas da Europa (e esta, hein?), fundada por Fenícios à volta de 1100 AC, mas que deu o verdadeiro 'salto' no período dos descobrimentos. Como já passava das 20h não deu para entrar em nenhum monumento, mas o nosso já habitual stop-and-shot está aberto 24h por dia! Passámos pela Plaza San Juan de Dios, a Catedral, a Plaza de Topete com a Torre Tavira, a mais alta de um conjunto de mais de 160 torres construídas para que os habitantes pudessem ver a chegada e partida dos navios sem terem de sair de casa.
Saímos de Cadiz por volta das 22h. Só parámos em Ayamonte para encher o depósito, e antes das 3 da manhã estávamos a chegar a nossa toca. Foi uma semana fantástica, a fazer o que mais gosto, com a pessoa que mais gosto. Agora, para além de trabalhar, resta-me começar a pensar na próxima viagem, daqui a duas semanas. Oh yeah! ;)
Adorei Cadiz, quando lá estive :)
ResponderEliminarAbraço x 2
Do bocadinho que vimos, apesar de ser já noite, também gostámos.
EliminarEu fico sempre estupefacto com o tempo tão rápido como percorrem as distâncias, e descobrem os lugares, à coelho, mesmo. Invejo o vosso sentido de aventura. E ler estes posts é como viajar um bocadinho convosco, também.
ResponderEliminarAlex, o objetivo também é esse, partilhar as nossas aventuras, as coisas que correm bem e menos bem, com vocês. De certa forma é isso mesmo, trazer-vos connosco.
EliminarOutra viagem?
ResponderEliminarQue bom. Assim ficamos a conhecer mais mundo...
O mundo? O universo. Como dizia o Buzz, para o Infinito e mais além!
EliminarA cena do macaco entrar no carro é um bocado creepy, se fosse connosco era despiste certo porque o R. tem pavor a macacos lol :D
ResponderEliminarCreepy é favor, Arrakis. Apanhámos um valente susto, o macaco entrou e saiu do carro com uma ligeireza... nunca tinha visto nada assim.
EliminarFui muito estúpido não ter entrado em Gibraltar...
ResponderEliminarDeve ser muito interessante, num espaço de metros passarmos para um mundo culturalmente diferente.
Gostei muito de Cádiz e assisti lá a uma das mais bonitas procissões que já presenciei, na Semana Santa, pois claro.
A Semana Santa em Espanha é vivida de forma muito intensa, por isso acredito quando falas da procissão de Cadiz.
EliminarFoi mesmo pena não teres ido a Gibraltar, porque é mesmo isso que dizes, numa questão de metros passas para aquilo que associas ao Reino Unido, mas ainda estás na Península Ibérica, e há macacos... uma confusão.
Nunca pensei em macacos fora do Brasil ou da África...8|
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