Uns minutos depois de termos chegado a Washington, junto ao Bus Terminal, chegou o Douglas no seu sedan, para nos levar até casa, onde o Raymond estava à nossa espera. O Douglas, 50 anos, e o Raymond, 60 anos, estão juntos há nada mais que 27 anos, o que os torna o casal gay com a relação mais longa que conheço (seguidos de perto pelo Luis e o Gonçalo, e pelo Arrakis e o R.). Tal como lhes disse quando lhes enviei o pedido para ficarmos lá em casa, fascina-me conhecer pessoas assim. E o Raymond respondeu "e a nós fascina-nos conhecer um casal que ambiciona isso também".
Vivem numa moradia vitoriana (as coisas que eu aprendo) na zona sul de Washington, com 2 cães e 8 gatos, que competem furiosamente entre si para receber festas. Não ficámos muito tempo à conversa, estávamos cansados de carregar as malas todo o dia por Filadelfia e os nossos anfitriões tinham de trabalhar cedo no dia seguinte. Tivémos um andar da casa só para nós, com quarto, sala, casa de banho e gatos.
No dia seguinte, depois do pequeno almoço com eles, o Douglas deu-nos boleia até ao Capitólio. Como tinha dito neste post, reservei visitas guiadas à sede do Congresso Norte-Americano, às 9h. Mas logo à entrada houve stress... tínhamos levado um saco com M&Ms na mochila. À entrada no Capitólio (segurança tipo aeroporto) havia um aviso que era proibido entrar com comida, mas só assimilei que M&Ms é comida já a mochila estava em cima do tapete do Rx. Agarrei novamente na mochila, começo a abrir para tirar os doces e de repente um polícia bruta-montes vocifera 'Put your bag down!' Tentei explicar, um bocado nervoso, que só queria tirar os M&Ms, ele saca da arma e berra novamente 'I said, put yout bad down! Now!' Naquele momento, toda a gente estava a olhar, polícias, visitantes, enfim...
Depois de ultrapassarmos a segurança, as coisas lá acalmaram. O guia era um bocado novato, mas lá foi explicando a importância do edifício, a história de Washington e dos próprios EUA, repetindo algumas coisas que já tínhamos ouvido no dia anterior. A título de curiosidade, aqui ficam alguns pormenores engraçados: o local que é hoje capital dos EUA era, na altura da independência, um pântano. Decidiu-se construir ali os edifícios governamentais porque o sítio era tão inacessível que não seria fácil chegarem lá os manifestantes descontentes com o governo (a versão oficial diz que George Washington referiu que o sítio era tão inacessível que a corrupção não chegaria lá...); o Senado reúne se na Ala Norte, e a Câmara dos Representantes na Ala Sul (sistema de duas câmaras, que em Portugal não existe); a cúpula é a quarta maior do mundo; existe um mausoléu no edifício, que era destinado a George Washington, mas ele recusou ser sepultado lá; há centenas de estátuas, de representantes importantes de todos os estados, porém, nenhuma deu tantas dores de cabeça como a de Kamehameha I, do Hawai. Para além de ser a mais pesada, de acordo com a crença das ilhas do Pacífico, ninguém pode estar acima da estátua, pelo que esta está em exposição... no último andar.
Do Capitólio há uma passagem directa para a Biblioteca do Congresso, e chegámos mesmo a tempo da visita guiada (e gratuita) das 10h30. A Library of Congress é a maior biblioteca do mundo em termos de acervo. Para além de toda a biblioteca pessoal de Thomas Jefferson, material em mais de 400 línguas e dialectos (a maioria já extintos), alberga uma das melhores cópias da Bíblia de Gutenberg e também a Bíblia de Mainz, dois dos livros mais importantes da história da humanidade (já agora, para quem não sabe, em Portugal também há uma Bíblia de Gutenberg). A Main Reading Room é tal e qual como nos filmes. Para não perturbar os leitores ficámos confinados a um canto da sala, enquanto o guia ia debitando informação. Por exemplo, a cúpula é suportada por oito enormes colunas de mármore, em cima das quais estão estátuas de figuras femininas, que representam oito aspectos da vida e pensamento das civilizações: religião, comércio, história, arte, filosofia, poesia, lei e ciência. As 16 estátuas de bronze representam pessoas que se destacaram em cada um desses aspectos, como Miguel Ângelo, Beethoven, Colombo, Platão, Homero, Shakespeare, Moisés, Newton...
Estava um tempo fantástico. O National Mall, um relvado enorme que vai desde o Capitólio até ao Lincoln Memorial, passando quase em frente à White House, está rodeado por alguns dos melhores museus do mundo, e o melhor de tudo, são gratuitos!
A barriga já dava horas, e seguimos o conselho do Raymond e fomos à cafetaria do National Museum of the American Indian, para provar alguma comida dos povos indígenas do continente americano. Logo à entrada do museu, a segurança, uma brasileira simpatiquíssima que nos ouviu falar a língua de Camões, depois de dois dedos de conversa, nos alertou que a comida do museu tinha preços exorbitantes, e que para comer comida americana havia um McDonalds logo ali ao virar da esquina. E tinha toda a razão! Com menus com preços a começar nos 18 dólares, 'virámos a esquina' e por 4.80 dólares comemos um delicioso McMenu tipicamente americano, com bebidas e dezenas de molhos à descrição.
Voltámos aos museus, logo por um peso-pesado, a National Gallery of Art, um dos 10 melhores museus de arte do mundo. Duas horas depois foi a vez dos National Archives, só mesmo para visitar a super cinematografada rotunda, onde estão expostas as versões originais da Declaração da Independência, a Constituição, a Carta dos Direitos e... da Magna Carta, do Rei Eduardo I de Inglaterra, o documento que deu origem ao constitucionalismo.
Mais à frente fica o melhor museu de história natural do mundo (esqueçam o de Londres ou de Nova Iorque). As quase três horas que lá passámos dentro foram manifestamente insuficientes.
Por último na saga dos museus deste dia, faltava o National Museum of American History, o museu dedicado à cultura social, política e científica americana, com objectos tão variados como várias bandeiras americanas içadas em diferentes períodos da história, vestidos das primeiras damas, os sapatos escarlate da Dorothy do Feiticeiro de Oz, as luvas de Mohammed Ali (aka Cassius Clay) ou... a cozinha original de Julia Child (quem não sabe quem era, vá a correr ver o filme Julie & Julia).
Depois de ultrapassarmos a segurança, as coisas lá acalmaram. O guia era um bocado novato, mas lá foi explicando a importância do edifício, a história de Washington e dos próprios EUA, repetindo algumas coisas que já tínhamos ouvido no dia anterior. A título de curiosidade, aqui ficam alguns pormenores engraçados: o local que é hoje capital dos EUA era, na altura da independência, um pântano. Decidiu-se construir ali os edifícios governamentais porque o sítio era tão inacessível que não seria fácil chegarem lá os manifestantes descontentes com o governo (a versão oficial diz que George Washington referiu que o sítio era tão inacessível que a corrupção não chegaria lá...); o Senado reúne se na Ala Norte, e a Câmara dos Representantes na Ala Sul (sistema de duas câmaras, que em Portugal não existe); a cúpula é a quarta maior do mundo; existe um mausoléu no edifício, que era destinado a George Washington, mas ele recusou ser sepultado lá; há centenas de estátuas, de representantes importantes de todos os estados, porém, nenhuma deu tantas dores de cabeça como a de Kamehameha I, do Hawai. Para além de ser a mais pesada, de acordo com a crença das ilhas do Pacífico, ninguém pode estar acima da estátua, pelo que esta está em exposição... no último andar.
Do Capitólio há uma passagem directa para a Biblioteca do Congresso, e chegámos mesmo a tempo da visita guiada (e gratuita) das 10h30. A Library of Congress é a maior biblioteca do mundo em termos de acervo. Para além de toda a biblioteca pessoal de Thomas Jefferson, material em mais de 400 línguas e dialectos (a maioria já extintos), alberga uma das melhores cópias da Bíblia de Gutenberg e também a Bíblia de Mainz, dois dos livros mais importantes da história da humanidade (já agora, para quem não sabe, em Portugal também há uma Bíblia de Gutenberg). A Main Reading Room é tal e qual como nos filmes. Para não perturbar os leitores ficámos confinados a um canto da sala, enquanto o guia ia debitando informação. Por exemplo, a cúpula é suportada por oito enormes colunas de mármore, em cima das quais estão estátuas de figuras femininas, que representam oito aspectos da vida e pensamento das civilizações: religião, comércio, história, arte, filosofia, poesia, lei e ciência. As 16 estátuas de bronze representam pessoas que se destacaram em cada um desses aspectos, como Miguel Ângelo, Beethoven, Colombo, Platão, Homero, Shakespeare, Moisés, Newton...
Estava um tempo fantástico. O National Mall, um relvado enorme que vai desde o Capitólio até ao Lincoln Memorial, passando quase em frente à White House, está rodeado por alguns dos melhores museus do mundo, e o melhor de tudo, são gratuitos!
Supremo Tribunal Norte-Americano |
Voltámos aos museus, logo por um peso-pesado, a National Gallery of Art, um dos 10 melhores museus de arte do mundo. Duas horas depois foi a vez dos National Archives, só mesmo para visitar a super cinematografada rotunda, onde estão expostas as versões originais da Declaração da Independência, a Constituição, a Carta dos Direitos e... da Magna Carta, do Rei Eduardo I de Inglaterra, o documento que deu origem ao constitucionalismo.
Auto-retrato de Van Gogh |
São Martinho e o mendigo de El Greco |
Lavender Mist de Pollock, onde até uma barata e um maço de tabaco entram na obra |
Mais à frente fica o melhor museu de história natural do mundo (esqueçam o de Londres ou de Nova Iorque). As quase três horas que lá passámos dentro foram manifestamente insuficientes.
Por último na saga dos museus deste dia, faltava o National Museum of American History, o museu dedicado à cultura social, política e científica americana, com objectos tão variados como várias bandeiras americanas içadas em diferentes períodos da história, vestidos das primeiras damas, os sapatos escarlate da Dorothy do Feiticeiro de Oz, as luvas de Mohammed Ali (aka Cassius Clay) ou... a cozinha original de Julia Child (quem não sabe quem era, vá a correr ver o filme Julie & Julia).
Mesmo em frente fica o Washington Monument, o obelisco mais alto do mundo. Com quase 170 metros de altura, chegou a ser a estrutura mais alta do mundo até à construção da Torre Eiffel. Foi com alguma surpresa que descobrimos que em 2011 houve um terramoto e que desde então o monumento estava fechado, sendo impossível subir ao topo. Pelo menos, sobrou tempo para tirar algumas fotos divertidas...
Finalmente, a Casa Branca, que fica a dois passos dali. A segurança é mais que muita, com vários anéis de policiamento que não impedem que se avance até junto do muro da propriedade. O Obama andava em campanha, e também em campanha andavam alguns manifestantes que por ali estavam, especialmente uma senhora que parece que está lá há uns 30 anos. É possível visitar a Casa Branca. No caso dos turistas estrangeiros, a marcação dessa visita é feita pela embaixada do país do visitante. Enquanto preparava esta viagem liguei várias vezes para a Embaixada Portuguesa em Washington, mas nenhuma das pessoas com quem falei sabia como funcionava essa marcação. Bolas!
Voltámos para casa dos nossos anfitriões de autocarro. Eles tinham-nos convidado para jantar com eles, e assistir ao Halloween como é vivido pelos americanos. Foi uma experiência fantástica. Ao longo do jantar e até depois da meia-noite, eram milhares de crianças pelas ruas, com disfarces tipo carnaval, a tocar a todas as portas com o trick-or-treat que costuma aparecer nos filmes. O Douglas e o Raymond tinham preparado um caldeirão grande, cheio de rebuçados e doces, e lá iam distribuindo as guloseimas à medida que as crianças iam aparecendo. Depois de três horas nisto, passámos nós a fazer esse papel... só vos digo, foi das experiências mais incríveis que passei.
Fabuloso :)
ResponderEliminarAbraço
Ps estou com curiosidade de ir aos States
Por acaso não tinha muita curiosidade em lá ir, pelo menos às grandes cidades como Nova Iorque, São Francisco ou Los Angeles, mas admito que a minha opinião mudou bastante depois de o fazer.
EliminarAcho que a participação no Halloween deve ter sido uma das melhores experiências... Sem dúvida, entrar verdadeiramente na tradição :)
ResponderEliminarTrês dúvidas acerca deste post:
1. Quais as cúpulas maiores que a do Capitólio? (uma delas, arrisco eu, será a da Basílica de S. Pedro em Roma, não?)
2. Onde está a Bíblia "portuguesa" de Guttemberg? (aqui arrisco a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, ou, em 2.º lugar, a Biblioteca do Convento de Mafra)
3. (o mais importante), que aconteceu aos M&M? lol
Horatius, participar no Halloween daquela forma foi particularmente interessante porque sempre olhei para o Halloween como uma coisa importada, uma 'americanice' sem expressão histórica em Portugal. Porém, ali, arriscaria a dizer que é tão importante como é o carnaval no Brasil.
EliminarDe acordo com o guia, as maiores cúpulas eram a de S. Pedro, e depois a Hagia Sophia, em Instambul. Tentei confirmar isso enquanto escrevia o post, mas não encontrei consenso nos sites que visitei.
A Biblia 'portuguesa' de Gutemberg poderia perfeitamente estar na Biblioteca Joanina, mas não, está na Biblioteca Nacional, aqui em Lisboa.
Quanto aos M&Ms... depois da mochila passar no rx fui autorizado a tirar os M&Ms lá de dentro. Tentei que ficassem ali guardados num cacifo ou alguma coisa do género, mas acabaram mesmo no lixo. :(
cada vez com mais vontade de ir aos EUA :/
ResponderEliminarAinda bem, Índio. É só atravessar o Atlântico!
EliminarMuito interessante! Para além de extremamente informativos e, por isso, interessantes, estes post serão utilíssimos a qualquer um que queira preparar uma viagem aos States. Não fazia a mínima ideia de que Washington pudesse ser tão interessante.
ResponderEliminarComo dá para perceber, eu gosto imenso de falar de viagens, da preparação e de tudo o que tenha a ver. A maioria das pesquisas do google que conduzem aqui ao blog têm a ver, claro, com viagens.
EliminarTambém nunca me passou pela cabeça que Washington pudesse ser tão interessante, mas depois de marcar o autocarro de Filadélfia para Washington e o avião de Washington para Las Vegas apercebi-me que dois dias na capital dos States seria muito pouco. E foi!
Fiquei com "água na boca"... que bom seria ter 1 mês para visitar Washington...
ResponderEliminarPelo menos duas semanas seria fantástico. Agora que já fiz a viagem toda e com alguma distância temporal, digo-te que dois dias lá foi insuficiente. Tive de cortar em alguns museus, sobretudo num dos que mais queria visitar, o Air & Space Museum.
EliminarFantástica experiência em Washington, também lá estive o ano passado em Fevereiro e voltarei lá certamente. Um relato cheio de detalhes e de ternura.
ResponderEliminarWashington foi, para mim, a grande surpresa desta viagem. Espero muito lá voltar!
EliminarUma verdadeira visita guiada!!! Obrigado pela partilha!
ResponderEliminarAbraço
Miguel
Lol, Miguel, aqui é só visitas guiadas. Obrigado por estares de volta!
EliminarAdorei todo o simbolismo do Capitólio, é fascinante. Sem esquecer dos Museus Naturais.
ResponderEliminarE é tão bom viajar assim, de casa em casa, é bom para conhecer novas pessoas e culturas.
PS: O policia queria era os M&Ms
Oh Lobo, és um doce. Viajar de casa em casa, sobretudo em casas de desconhecidos, é uma aventura. Nem todos têm paciência ou feitio para isso, mas eu adoro!
EliminarUm dos vossos elhores posts sobre viagens.
ResponderEliminarDesmistifica completamente a ideia que eu tinha de Washington, que eu considerava até agora uma cidade apenas com interesse administrativo.
Obrigado Pinguim, eu receio sempre que os posts se tornem demasiado extensos, mas por outro lado adoro descrever estes detalhes e episódios. Washington é, de facto, uma caixinha de surpresas. Não esperava ter gostado tanto da cidade.
EliminarAo acabar de ler os post, percebi que tinha acabado de fazer uma pequena viagem. Grande surpresa, pensei que Washington fosse uma cidade cinzenta. Quero ir absolutamente a esse Museu de História Natural e a quase tudo o descreveste...e a cena do Halloween deve ser bem gira. :)
ResponderEliminarAbraços.
Quando decidi o itinerário da viagem estava indeciso em ir a Washington ou ficar por Filadélfia. Ainda bem que desci à capital. A arquitetura do centro faz lembrar como seria uma acrópole no seu tempo, porque todos os edifícios têm inspiração greco-romana com as suas típicas colunas, mas tudo com um ar tão actual e bem conservado... E os museus são mesmo fantásticos, e gratuitos.
EliminarPara variar, adorei tudo. Washington continua atrás de outros destinos, mas seria interessante visitar os lugares políticos mais importantes e, talvez o museu de história natural (se bem que não goste de animais embalsamados).
ResponderEliminarWashington foi a surpresa desta viagem. Ao contrário de outras cidades, como Nova Iorque ou Las Vegas, que corresponderam às expectativas, não tinha grandes planos para esta cidade, e afinal foi das que mais gostei.
EliminarFiquei muito entusiasmado, também, em relação a Washington D.C, embora não tivesse nenhuma ideia pré-concebida sobre a cidade. Sempre acreditei que tivesse o seu interesse, não fosse a capital dos E.U.A. É evidente que fica um bocadito ofuscada por Nova Iorque, já se sabe.
ResponderEliminarO episódio com o policial demonstra alguma agressividade da polícia norte-americana. Não têm calma nenhuma, talvez influenciados pelo terrorismo e por todas as ameaças que pairam sobre o país constantemente.
abraço.
A cena com o polícia foi mesmo digna de filme. De repente pensei que ia desta para melhor, lol.
EliminarFiquei cheio de vontade de ir novamente aos States e conhecer WDC! :P Parece que viveram lá durante anos, da maneira que descrevem as cenas, principalmente o Halloween!
ResponderEliminarNão diria 'viver lá durante anos', mas contactar e conhecer os locais dá um insight completamente diferente dos sítios.
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